Dia desses Eliasar chegou de surpresa pelas oito da noite, com a cara de sempre e o semblante mais cansado que o habitual. Dias difíceis pra todos nós com o Manezinho já bem doente, Juninho afastado e me pareceu que o semblante não era só pelas quinze horas que havia passado na estrada antes da surpresa de dia desses.
Nada que Alice não tenha resolvido bem antes de usar palavra, mas depois
de ela dormir nos trancamos no escritório e, conversa vai e vem, a prosa achou de
tomar um prumo choco. Foi quando saquei a letra que havia começado pra Manuela.
Eliasar começou a melodia, deu por pronta e foi dormir inacabado e feliz.
Encaminhei sob protesto a música pro Juninho porque parte do choco do prumo era
conta dele. Valeu. Manu Cinderela trouxe o parceiro de volta que aproveitou o
começo e refez a melodia num fôlego.
Em Minas, no carnaval, ouvi e gostei.
Na terça gorda Eliasar me disse das anotações que o Manezinho tinha
feito na letra junto com o pedido pra não me mostrarem. Claro que ele me falou das
sugestões e mais: cravou que isso ia dar pelo menos mais dez anos de vida pro
Mané. Pedi pra ver.
Lento, demorei uns dois dias pra perceber. À primeira vista me pareceu
puro preciosismo mudar “fechou a tramela”
por “passou taramela”, mas acatei. Perceber mesmo mesmo só percebi no estúdio, enquanto
finalizava o texto com este e outros achados do Mané.
Saquei que passar taramela e desembocar em “de óleos me lambuzou/ de alhos me temperou/
me jogou na panela” era tão brilhante quanto mais significativo do que simplesmente fechar uma
tramela.
Assim que chegamos do estúdio, disco na mão, Juninho e eu fomos mostrar pro Mané. Era
madrugada, mas vá lá, dói mais é no silêncio dos escuros e a hora podia até ser
pertinente. Apesar da luz acesa ele não atendeu.
No dia seguinte acordei cedo pra abraçar a parceria.
Mané, pra todos nós, sempre foi uma referência. E, do rigor que ele sempre insistiu
em emprestar às coisas, rabiscar um poema meu e fazer dele nosso, antes de mais nada, era um carinho. E uma aprovação também, claro.
Nos encontramos na esquina e caminhamos até a venda do seu Mané, pai.
Nos sentamos como tantas outras vezes ali com o velho, papeamos, comprei um
chapéu de aba larga, deixei o disco com ele e fui cuidar da vida.
Nunca ouvimos nossa música juntos .
Voltei a Minas pra vê-lo uma vez mais, mês passado.
Hoje meu parceiro parou de sofrer.
Agora é minha vez.
Agora é minha vez.
Mas amanhã tem festa. Hoje não porque hoje é quinta. Amanhã vou me sentar
num buteco, comer um bife acebolado e tomar uma Brahma. Só eu e o Mané.
fabrizio morelo
Brasília,
dez de maio de 2012
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