sábado, 16 de julho de 2011

uma carta antiga escrita pro Deco

é por onde começo. É tarde já e eu me deparo com sua carta entre a maçaneta e o batente da porta. Bem ali, parado, de pé, sentindo o cão focinhar a fresta do outro lado, notando minha presença, leio então, sem me incomodar com o peso da sacola em que trago o suprimento de álcool para o resto da noite.
            Irene ainda não chegou. Estende-se no trabalho nesses dias natalinos. Isso me permite ler novamente suas palavras depois que entro em casa, faço festinha na Manu, me sirvo uma dose e antecipo o charuto guardado pro natal.
            Esse exercício de vigilância que se me tornou o não fumar encontrou uma brecha nos charutos. De tempos em tempos, nas ocasiões em que encontro merecimento, acendo um que compro na tabacaria embaixo do meu novo escritório de trabalho.
            Não é o fumo forte do seu cachimbo, ou mesmo do cigarro artesanal, cuidadosamente enrolado, que não larguei, mas o desábito e a fumaça me tonteiam.
            Pego papel e caneta. Escrevo pouco mais de meia dúzia de linhas que ficam esquecidas. Perdi o fio da escrita. No turbilhão sobra-me sempre o piegas, o impúblico. Desço pra passear com o cão. Vou ao encontro de Irene. Ao vê-la não contenho o choro que, àquela altura, poderia ser confundido com qualquer coisa. Apresso-me a dizer que o choro é de saudade, mas não disse tudo.
Chorei de medo. Medo de me confundir. De me acostumar a esse nó na garganta como me acostumei à gravata. De esquecer, por um dia sequer, das gentes que me são importantes. 
Meu amigo, meu irmão... Aceite de mim, como presente, essa confissão. Aceite, sobretudo, meu profundo agradecimento de sua amizade. Como dizia o velho Vinícius, amigo não se faz, se reconhece.
O meu beijo e o meu abraço,
do seu
fabrízio

(A carta que respondo, provavelmente de dezembro de 2005, percebo agora, foi a última que recebi. Transcrevi nela o poema do JG que postei abaixo, à guisa de epígrafe.)

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