segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Carta de Aloísio Brandão


Meus caros,

Venho agradecer a todos pelas calorosas manifestações de solidariedade e carinho, por ocasião do falecimento do meu pai, BENEDITO DE AMORIM BRANDÃO, no dia 06.09.12, em Santana dos Brejos (SB), no sertão baiano.

Ele soube, por si e por inspiração de Deus, por a sua vida a serviço das pessoas, não se lhe importando o credo, a cor, a classe social a que pertenciam. E o fazia, com destemor, alegria e sem buscar tipo algum de reconhecimento, de agradecimento.

Ao longo do tempo, foi renunciando a tudo o que julgava desimportante, para abraçar exclusivamente a essência. E a essência, dizia, chama-se caridade. Fora daí, pouco se aproveita, enfatizava. A poesia e a música eram duas de suas formas de expressão.

Muito do que a cidade de Santana dos Brejos possui, tem a sua mão. A Sociedade Operária de Santana (SOS), um clube sociocultural, é exemplo maior. Da pedra fundamental ao seu apogeu, Seu Bené participou de toda a sua história, que culminou com a criação da “Escola da Operária”, de ensino fundamental, cujo embrião foi um minúsculo quarto que ele próprio e outros “amigos de boa vontade” (palavras dele) ergueram para ensinar, eles próprios, o “bê-á-bá”, num tempo de difícil acesso ao ensino, naquele sertão longínquo. Dois longos bancos rudes de madeira para os aprendizes, uma meia dúzia de candeias. E era só. Em tempo: a SOS foi construída assim: comunitariamente, por um grupo que vislumbrava, da forma mais pura e bela, a criação de um espaço onde o povo (o trabalhador, em especial) bebesse cultura.

Mas, um dia, eu vi os olhos do meu Velho marejados, diante daquilo a que foi transformado o belo auditório multiuso (era um cinema, espaço para shows e teatro) da SOS: um quase inacessível e decrépito depósito de coisas velhas. Ao ver a dor do Velho Bené, fiquei me perguntando: “Por que as pessoas não conseguem mais edificar coisas verdadeiramente importantes, usando a energia transformadora gerada pelo esforço comum? E por que, em vez disto, destroem despudoradamente o que foi construído pelos antigos?”. Talvez, a resposta esteja no individualismo destrutivo destes tempos plenos de superfluidades e pouca profundidade. Mas o melhor de sua obra só pode ser visto mesmo com olhos de se ver o invisível. Há um esforço da diretoria, com vistas a reerguer a SOS.

O Velho Bené amou incondicionalmente a pequena Santana dos Brejos. Poucas coisas o faziam tão feliz como uma notícia boa sobre a cidade, a exemplo da construção de uma escola, do calçamento de uma rua distante, da chegada recente da água doce vinda do Rio Corrente. E quando eu levava amigos para passarem férias, em SB, ele os tomava pela mão e os levava para mostrar o lugar, como se a cidade fosse sua. Sabia, como poucos, tomar o pulso de Santana dos Brejos e traduzir o que sentia, com poesia e ternura.

Ouvi relatos comoventes sobre ele, nestes dias que foram do seu sepultamento à Missa de Sétimo dia, quando estive, em SB. Coisas como um senhor, que narrou a sua infância pobre, a ponto de lhe faltar (e à sua família) o básico para a subsistência. Disse-me que jamais comemorou o aniversário, pois que isto “era supérfluo entre pobres”. E acrescentou: “Jamais alguém, inclusive meus familiares, lembrou-se do meu aniversário. Menos Seu Benedito. No meu aniversário, durante toda a minha infância, lá, estava ele com um brinquedinho qualquer para me dar de presente, seguido de bons conselhos”. Outros tantos depoimentos semelhantes chegaram-me, espontaneamente.

Meus caros, um dia, quando for contar a história de Seu Bené, vivida ao longo de cem anos e quatro meses, o autor, se optar por um resumo, poderá fazer um texto de uma palavra só: bondade. E sua biografia será compreendida. Suave, leve, mas enérgico e inflexível na fé e na honestidade; engraçado, contador de histórias, suas últimas palavras, ditas ao meu irmão, César (César foi a fortaleza que o protegeu), quase à hora de partir, foram: “Meu filho, tenha fé, sempre”.

De tantas lembranças, uma das que mais me comovem é a de ele agradecendo a Deus por tudo que lhe era concedido, a tal ponto de, ao fim de cada copo d’água que bebia, dizer, como quem fala um poema: “Ô, aguinha boa. Obrigado, meu Pai”. Às vezes, ele se parecia um anjo, tamanhas a sua ternura e sua iluminação. Lembro São Paulo que, em “Hebreus”, afirma que, sem sabermos, podemos estar convivendo com anjos. Bené, esteja com Deus, meu amor.

Anteontem, assim que cheguei de SB, fui assistir ao show do Túlio Borges. E me surpreendi, quando ele anunciou: “Este show é uma homenagem a Seu Benedito de Amorim Brandão”. Túlio dedicou a sua apresentação ao meu pai, nos dois dias de sua realização (sexta e sábado). Obrigado, Tulão, meu parceiro querido. Túlio Borges participou da festa de cem anos de Seu Bené, no dia 05.05.12, em Santana dos Brejos.
 
Agradeço a força especial que veio de minha prima Soraia e do seu marido Marcelo; dos meus cunhados Luiz Paulo e Ana Paula; de minha sogra Paulina; de minha cunhada, Zeuda; e de Arlan, que conduziu o meu carro a Santana dos Brejos, quando fomos para o sepultamento do meu pai, naquele dia em que não dormimos; e do amigo e Prefeito de Santana, Marco Cardoso. E, ainda, de minha mulher, Ana Prisce, e dos meus filhos Clara e Thomaz.
 
O abraço fraterno do Aloísio Brandão.

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