segunda-feira, 2 de julho de 2012

Tá Morelo - dois femininos pra falar do tempo.

dois femininos pra falar do tempo.

vão aí dois pedaços de tempo que eu roubei. e os dois dizendo que ele passa. e elas duas como a celebração do tempo que passa. aqui não se contam, as pessoas mudam de crianças pra adultos e depois viram já avós. elas aí e a gente tenta engolir essas outras idéias e bota no meio da vida da gente, desse outro. que dá pra morrer só de saber que é o mesmo país. kujã aqui é mulher. kutahin é menina. tutun é vó, é velha. é muito bonito ver o tempo nu. cada ruguinha que foi trabalhada por anos, exposta. o trabalho está ali, feito, exposto. o trabalho é feito todo corpo, é feito pelo corpo. a criança é feita na barriga, também á mostra. e falar do sêmen que entrou e que fez. o sêmem zahpó a criança. a velha conta de qual foi o semêm que entrou e os outros que passaram batidos. a criança fala também e ouve, ouve muito, ouve tudo. ontem eu dormi numa casa zo'é, cheia de gente, cheia de rede, uma do lado da outra. eu nem conseguia dormir de tanta boniteza. a noite branquinha de lua quase cheia (que enche amanhã) e de neblina de floresta. branco. custei a dormir ou estava sempre numa intermitência de sono, porque o ar era de sonho também. dormia e acordava e não sabia a diferença. também muito frio. ouvia a intimidade de uma casa, como se fosse toda uma intimidade maior que eu não conseguiria entender. uma sinfonia linda de roncos, peidos e abanos nas fogueiras. algumas conversas que começavam e iam embora. quando fazia silêncio, não tinha ele, o silêncio, a floresta fazia todo o preenchimento. foi a primeira vez que dormi fora da casa do posto, ontem. acordei, hoje, com todos os acordares, de muitas idades. meninas sonolentas procurando se aprochegar da fogueira. mais conversas de amanhecer. um tempo de gentes acordadas nas redes, que só se olhavam, botavam cabeça pra fora e só sorrisos. algumas crianças foram pra minha rede e brincadeiras madrugueiras. cedinho. cheio de neblina ainda e frio, friozinho de amazônia que eu não conhecia, desse outro brasil. levantei, catei minha rede e fui voltar a ser funai. funai kujã. 

beijos de saudades e cheios de tempos agregados numa tentativa de me aculturar, numa tentaiva antropofágica.

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